segunda-feira, 20 de junho de 2022

Deveríamos todos aprender o ofício de consolar. Não é apenas dar uma palmadinha nas costas, nem ter pena, nem compensar... É ajudar o outro a sofrer bem o que está a sofrer, sofrendo com ele, condividindo a dor e mostrando com a nossa atitude como de tudo se pode tirar bem. Não é, pois, afastar a dor. É mostrar o caminho do bem e mostrar que se pode fazer o bem mesmo sofrendo.

Vasco P. Magalhães, sj
In: Não há soluções, há caminhos

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Não digas nada


 Não digas nada! 

Nem mesmo a verdade 

Há tanta suavidade em nada se dizer 

E tudo se entender — 

Tudo metade 

De sentir e de ver... 

Não digas nada 

Deixa esquecer 


Talvez que amanhã 

Em outra paisagem 

Digas que foi vã 

Toda essa viagem 

Até onde quis 

Ser quem me agrada... 

Mas ali fui feliz 

Não digas nada. 

Fenando Pessoa, in "Cancioneiro"

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Palavras e gestos que ficam

♡ Palavras que vão ficando iluminando os gestos e as palavras, recordando muitos amores e dando sentido e verdade a um dia em que o pôr do sol ilumina suavemente a vida... ♡

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... "Lembrar-me que somos todos famintos e o outro é para nós razão de nos sabermos saciados por Deus, o outro é sempre um dom, é sempre aquele que vai alimentar a tua busca".

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... "e porventura em cada gesto de acolhimento habita a linguagem universal do cuidado e do amor. Nos gestos de acolhimento habita essa Palavra universal que é compreendida por todos". 

In: Aquele que habita os céus sorri 

Foto: Zilda Sousa

sábado, 22 de janeiro de 2022

O Espírito cerca-te


UMA ORAÇÃO-POEMA

O Espírito sobre Ti

com toda a sua força

torna-Te ungido do Pai.

Para cada pobre

és essência divina,

aragem de liberdade,

manancial de luz e graça,

Palavra cumprida.


O Espírito sobre mim

unge e investe

com toda a tua presença

o pobre que sou.

Pela graça, eis-me

liberto e cruzado de luz

palavra Tua, para outros

hoje, a cumprir-se.


P. Serafim Reis

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Olhar o Lager

"No Lager tudo acontece de outra forma; aqui, a luta para sobreviver é  sem remissão, porque cada um está desesperada e ferozmente só.

Se um Null Achtzehn qualquer vacilar, não encontrará quem lhe estenda uma mão, mas sim alguém que o deitará abaixo, pois ninguém está  interessado em que um «muçulmano» a mais se arraste todos os dias para o trabalho; e se alguém, com um milagre de paciência selvagem e astúcia, encontrar uma nova combinação para escapar ao trabalho mais duro, uma nova artimanha que lhe proporcione alguns gramas de pão, procurará manter secreta a forma como o conseguiu e por isso será estimado e respeitado, e tirará um lucro exclusivo e pessoal; tornar-se-á mais forte, os outros terão medo dele e, por isso mesmo, será um candidato à sobrevivência.

In: Se isto é um homem

sábado, 15 de janeiro de 2022

Porque nos falta a alegria?


Hoje a nossa sede é sublinhada no parágrafo que escutávamos do capítulo II do  evangelho de João, onde o que é que aconteceu ali? 

O que quer que seja, a vida cristã é uma espécie de casamento, a vida cristã é o lugar onde não falta a alegria, e cada um saberá dizer isto com a sua vida, cada um saberá dizer isto com o seu perurso, com as suas feridas, com as suas cicatrizes... 

A mesma festa e a mesma alegria que conhece dias de dor, dias de sofrimento, conhece lágrimas e que conhece superação, que conhece erguer-nos uns aos outros e que conhece dias de sol e dias de chuva... não sabemos bem o que é que João quer dizer.

Esta história que escutámos hoje é inédita nos evangelhos, mais nenhum outro tem um paralelo sobre este texto é talvez poucochinho o sentido literal deste texto, até porque percebemos quando começamos a juntar peças a quantidade de símbolos aqui apresentados é uma alegoria, é uma metáfora e para chegarmos ao sumo deste fruto que é este texto, ou desta semente que pode gerar frutos no teu coração. 

E precisamos de todas as interpretações, precisamos uns dos outros, precisamos deste texto a fazer-se vida em cada um dos nossos nomes.

Saboreemos a intuição de João de nos convocar para uma festa de casamento.

E vamos, é das festas entre o registo privado da família e o registo público dos vizinhos e amigos, a festa de casamento é possivelmente a FESTA, a grande festa que as famílias viviam, que as aldeias conheciam. Diferente das festas em Jerusalém, diferente das festas mais anónimas, mais massivas, esta era a festa onde todos se conheciam pelo nome, ESTA É A FESTA!

João convoca-nos para isto, ele que dirige à Igreja, ele que se dirige a cada um de nós, somos convocados para uma festa onde nos conhecemos pelo nome, onde nos conhecemos pelo nome.

E muitos são os detalhes que aqui estão, mas também gostava que isto ficasse para a nossa curiosidade, porque é que a Mãe de Jesus não tem nome? 

Porque é que a Mãe de Jesus, que toda a gente sabe que se chama Maria, porque é que João insiste no seu evangelho a colocá-la sem nome? Porque é que ela aqui não tem nome? E Jesus trata-a anonimamente ao chamar à sua querida mãe, Mulher! 

O que é que isto quer dizer, o que é que isto nos tem a dizer?

Não esquecemos um critério de leitura do evangelho, sempre  que um personagem aparece sem nome, querido leitor, coloca o teu nome. E sim, Maria é uma de nós.

Quem queres ser neste texto?

Cada um terá as suas razões, mas a alegria não é só comédia, a alegria não é paródia, a alegria confunde-se com felicidade. 

Não sabemos bem o que isso é!

Felicidade coincide com não ter vergonha de mim, felicidade coincide em eu vestir a minha vida inteira, felicidade coincide em não precisar de esconder as minhas cicatrizes e as minhas feridas, felicidade é isso e muito mais, felicidade é uma vida vestida de pele e não haver vergonha nisso.

Possa o nosso trabalho neste tempo Sinodal e em todos os tempos, ser como Paulo lembrava aos Coríntios nesta primeira carta, possa o nosso trabalho ser esse de deixar-nos surpreender, porque debaixo da tua pele há um profeta, porque debaixo da tua pele há um erguedor, debaixo da pele "daquele" há um conhecimento para lá do óbvio, deixa-te surpreender porque para lá da pele "daquela" há uma capacidade de erguer, há uma capacidade de dar sentido.

Possa o trabalho da Igreja ser este de reconhecer carismas, reconhecer dons, reconhecer que no outro habita promessa, habita Espírito, habita Deus vivo, possa isso ser ignição da nossa alegria, possa tudo isto concorrer para a nossa eterna missão, para a missão do dia de hoje. 

Reconhecer onde falta alegria, não desistir enquanto houver gente infeliz entre nós, sobretudo por feridas geradas em comunidade. 

E, possamos nós que experimentamos o sabor do vinho novo, sermos geradores de alegria pelo dom e pelo cuidado uns pelos outros.

P. António Pedro Monteiro

Aquele que habita os céus sorri

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Se...


"Se para recuperar o recuperado,
tive de primeiro perder o perdido,
se para conseguir o conseguido,
tive de suportar o suportado,

se para estar agora enamorado,
foi mister ter estado ferido,
tenho por bem sofrido o sofrido,
tenho por bem chorado o chorado.

Porque no fim de tudo foi comprovado
que não se goza bem do gozado, 
senão depois de o ter parecido. 

Porque no fim de tudo foi compreendido, 
que aquilo que a árvore tem de florido,
Vive daquilo que tem sepultado."

Francisco Luís Bernárdez

terça-feira, 5 de outubro de 2021

A memória do coração











 "Amanhã fico triste... amanhã!

Hoje não... hoje fico alegre!
e todos os dias, por mais amargos
que sejam, eu digo:
Amanhã fico triste, hoje não..."

(Poema encontrado na parede do dormitório infantil
no campo de concentração de Auschwitz)

domingo, 4 de julho de 2021

Amigo de aprendiz

Jim Dine

«Quero ser teu amigo,
Nem demais e nem de menos...
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te como próximo, sem medida...

E ficar sempre em tua vida
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade,
Sem jamais te sufocar,
Sem forçar a tua vontade.
Sem falar quando for a hora de calar.
E sem calar quando for a hora de falar.
Nem ausente nem presente por demais...

Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso:
É tão difícil aprender...

Por isso, eu te peço paciência.
Vou encher este teu rosto
De alegrias, lembranças...

Dá-me tempo
De acertar nossas distâncias!»

Fernando Pessoa



quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Rezo sem saber...



"não sei o que fazer e rezo
Rezo sem saber dizer o quê e a quem
Mas rezo
Rezo o chão e a flor, o pão e a fome,
Rezo o branco e a dor

Nas letras do teu nome

Há um buraco de luz."



In Um buraco de luz para Deus,
José Tolentino Mendonça




Foto: © fotoherkules/Fotolia